Planos de saúde para idosos vão virar artigo de luxo? Como evitar isso?

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O número de jovens com plano de saúde caiu nos últimos anos no país, enquanto a dos idosos, principalmente os mais velhos, aumentou significativamente no mesmo período, segundo dados do Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

O fenômeno, dizem especialistas, aumenta o desafio de equilibrar as contas do setor para operadoras e usuários de saúde e evidencia a urgência de mudanças no modelo de prestação de serviços, que deve focar mais no acompanhamento de doenças crônicas e na prevenção de complicações. Se nada for feito, dizem eles, os custos podem subir a ponto de o seguro-saúde se tornar um item de luxo no futuro.

Historicamente, o maior volume de jovens entre os clientes ajuda a compensar o aumento de custos que ocorre na velhice, período da vida em que os beneficiários utilizam mais os planos. No Brasil, o envelhecimento da população vem acontecendo mais rapidamente do que em outros países que passaram pelo processo, o que explica o aumento de clientes idosos.

Por outro lado, as crises econômicas de 2015 e os anos da pandemia reduziram o número de empregos formais e, consequentemente, os beneficiários mais jovens. Isso porque 83% dos cerca de 50 milhões de brasileiros que possuem plano de saúde são clientes de planos corporativos.

Segundo levantamento da ANS realizado a pedido do Estadãoo número de beneficiários de 20 a 39 anos caiu 7,6% entre 2013 e 2023, enquanto os maiores de 60 anos saltaram 32,6% no período, índice bem superior ao aumento de 5,3% no total de clientes de planos de saúde.

A faixa etária com maior queda foi a de 25 a 29 anos, com redução de 18,1% nos últimos dez anos. Na outra ponta, o grupo de idosos de 70 a 74 anos aumentou 41,9%. A segunda faixa etária com maior aumento foi a dos clientes com 80 anos ou mais – um aumento de 39,5%. Com isso, a proporção de idosos no total de clientes de planos de saúde aumentou de 11,4% para 14,4% na última década.

“O progresso material e os avanços médicos estão permitindo que as pessoas vivam mais. O que chama a atenção é a velocidade com que esse processo está acontecendo. O que estamos vivendo em 20 anos, os países europeus levaram mais de cem anos para vivenciar”, diz José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS).

Além do fato de o número de idosos estar aumentando no país, esse segmento da população é o que apresenta menor rotatividade nos planos. “Eles saem menos e trocam menos de operadora porque é mais difícil para eles trocar e porque a percepção de necessidade é maior. Muitas vezes, o plano de saúde para idosos é compartilhado por toda a família”, afirma Martha Oliveira, especialista em envelhecimento e CEO da Laços da Saúde, empresa especializada em atendimento domiciliar para idosos.

“Os jovens, por outro lado, por terem planos vinculados a empresas e menor percepção de necessidade, tendem a ser os que mais perdem, cancelam ou alteram planos, principalmente em momentos de crise econômica”, diz.

‘Envelhecimento não é o vilão’, diz especialista

Martha ressalta que o cenário demográfico não pode ser usado para culpar e punir os idosos pelo aumento dos custos. Ela afirma que, embora seja verdade que o idoso custe mais com o plano, é preciso lembrar que ele também paga um valor maior do que o jovem. “Atrelar esse alto custo dos planos ao envelhecimento é muito ruim. Os idosos usam mais o plano, sim, mas se você souber administrar essas pessoas, esse uso extra é pago pelo valor maior que eles pagam”, diz.

Um estudo do IESS mostra que o custo médio com um beneficiário com mais de 60 anos é seis vezes maior que o de um usuário de zero a 18 anos. A mensalidade da última faixa etária também só pode ser seis vezes maior que a da primeira, conforme regra da ANS. Cechin afirma que, entre os idosos mais velhos, a partir dos 80 anos, o custo sobe muito e que o valor pago pelo idoso beneficiário nem sempre é suficiente para cobrir as despesas assistenciais, mas admite que não está repassando tudo os custos para os usuários que o problema será resolvido.

“Isso requer reestruturação hospitalar e campanhas e ações para prevenirmos doenças e controlarmos as doenças crônicas. Se não fizermos nada, o valor dos planos, que já está subindo acima da inflação, vai ficar ainda mais caro e o plano pode virar artigo de luxo”, diz.

Ele argumenta que, além das operadoras, os empregadores, que são os principais contratantes dos planos de saúde, também desenvolvem ações de prevenção e promoção da saúde de seus empregados, o que ajudaria a melhorar a condição de saúde dos usuários e reduzir custos. .

Martha concorda que o caminho para reduzir custos no sistema sem punir o elo mais vulnerável – os beneficiários – passa pela prevenção e acompanhamento dos doentes crônicos, além de um uso mais inteligente dos recursos do sistema de saúde.

“Certamente não é o envelhecimento que é o vilão. É preciso tirar o preconceito dessa população. O sistema está cheio de desperdícios, de refazer. Falta de organização e gestão, a pessoa fica perdida na rede. Temos que reclassificar essa prestação de serviço. Se continuar como está hoje, teremos realmente uma elitização. Menos pessoas poderão pagar pelo plano”, diz ela.

‘Preço era inviável’, diz filha de idoso que paga R$ 9 mil de mensalidade

É o que já está acontecendo com o aposentado Nelson Roberti, de 84 anos. Cliente da SulAmérica desde a década de 1990, ele paga hoje uma mensalidade de R$ 9 mil. “Sempre foi um valor alto, mas, de tempos em tempos, com os reajustes, está se tornando inviável. A aposentadoria dele não dá para pagar esse valor, a gente completa com a conta da família, mas é difícil manter”, diz a filha do idoso, a advogada Tatiana Saldanha Roberti, 46 anos.

Nelson Roberti, 84, e a filha, Tatiana, reclamam do alto custo e da má qualidade do plano de saúde Fotografia: Felipe Rau/Estadão

Ela reclama que, além das altas mensalidades, o pai sofre com a queda na qualidade do serviço prestado. “O preço está aumentando e o serviço não corresponde mais. Tivemos o descredenciamento de hospitais, laboratórios. Desclassificaram um hospital que a gente sempre usa, que fica a poucos minutos de casa. É muito ruim passar por isso justamente no momento mais vulnerável da vida. Nos sentimos abandonados”, diz ela.

Tatiana conta que outra dificuldade enfrentada pelos idosos é a mudança de plano. “Com esse valor, até tentei procurar um plano mais barato, mas quase não encontrei opção. Já citei todos que você imaginar, mas ou não aceitam ou o valor seria maior”, diz. Procurada, a SulAmérica afirmou que o referido descredenciamento “foi uma decisão unilateral” do hospital e que foram sugeridas “outras opções para a rede assistencial com a mesma qualidade de serviço prestado”.

Marcos Novais, superintendente executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), diz que há operadoras voltadas para o nicho da terceira idade e que as empresas vêm ampliando suas ações para tentar acompanhar mais de perto essa população. Ele reconhece, porém, que é preciso acelerar e ampliar essas ações.

“Os custos estão subindo, mas temos que trabalhar para que tenham um aumento sustentável. Para isso, temos que usar mais a telessaúde, ter um atendimento personalizado com atendimento contínuo. Cada vez mais será feito um trabalho de monitoramento, isso ajuda na gestão do plano, mas temos uma limitação: não há equipes suficientes para fazer isso com todos os usuários”, afirma.

Ele diz que o grande desafio é conseguir fazer essas mudanças no mesmo ritmo do processo de envelhecimento da população. “Como esse processo está acontecendo de forma mais rápida no Brasil, acabamos tendo custos maiores porque nossos investimentos nessa nova infraestrutura também precisam ser mais rápidos”, afirma.

O cenário é um dos motivos apontados pelos planos para a crise financeira vivida pelo setor. Segundo a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), as operadoras registraram prejuízo operacional de R$ 11,5 bilhões em 2022, o pior resultado desde o início da série histórica, em 2001. Procuradas para comentar os desafios do setor diante do envelhecimento, a entidade não quis dar entrevista.

Para os especialistas, podemos olhar exemplos de outros países que já passaram pelo processo de envelhecimento para buscar soluções para a equação. Cechin, do IESS, cita a necessidade de ações de governos, operadoras e empregadores para combater a obesidade, por exemplo. “Reduzir a obesidade também reduz o risco de doenças cardiovasculares, problemas nas articulações e alguns tipos de câncer. Há países, como a Holanda, com programas para enfrentar esse problema”, diz.

Martha também menciona o país europeu. “Eles reconstruíram todo o sistema de saúde nessa perspectiva do envelhecimento, com uma lógica de cuidar do paciente em casa, promovendo a autonomia, o autocuidado. A Alemanha criou cargos específicos para lidar com o envelhecimento. A França também reorganizou seu sistema de saúde. É verdade que esses países tiveram muito mais tempo para se preparar, mas já passaram por isso, então podemos olhar e aprender com eles”, afirma.

Fonte: Estadão

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