“É preciso alertar os jovens sobre a necessidade de cultivar a saúde mental”, afirma empreendedora

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Viver uma experiência traumática de suicídio com um ente querido, não é das mais fáceis porque além da perda, há o sentimento da culpa por parte dos familiares. Assim aconteceu com a advogada e empreendedora Kátia Falcão, à época em que seu namorado tirou sua própria vida, uma semana antes de completar 28 anos.

“Ele vinha dando sinais, mas eu não entendia que era depressão profunda”, afirma Kátia. Após este episódio, houve uma transformação muito grande na sua vida a ponto de hoje ser uma ativista que luta por campanhas impactantes na preservação da vida e combate ao suicídio.

Ela alerta sobre a necessidade em falar sobre o assunto e debater intensamente sobre o tema em escolas, empresas e comunidades – também destacando a necessidade de discussão com os jovens, visto que de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é apontado como a segunda maior causa de morte entre esse grupo.

Para a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o suicídio é a quarta causa de morte entre jovens brasileiros de 15 a 29 anos. Falcão participou de um livro, uma coletânea publicada em maio deste ano de 2023, que reúne pessoas inspiradoras com histórias verídicas e interessantes que se superaram e reconduziram sua vida, após grande sofrimento. Acompanhe a entrevista completa a seguir.

Como foi a experiência que você viveu?

Absurdamente traumática! Creio que seja uma das experiências mais difíceis que alguém pode ter relacionada a morte, porque além da perda, por si só dolorosa, nós estivemos próximos demais, sentimos muita culpa por não ter podido ajudar e salvar àquela vida.

O que seu noivo representava para você?

Estávamos vivendo um grande amor. Dudu era um cara super bacana, inteligente, divertido, amoroso. A morte dele, inesperada, por mim, me causou enorme sofrimento.

Quais sinais ele vinha apresentando?

Por ele ser um cara muito divertido e espirituoso, eu ficava muito abismada com seu desejo repentino de se isolar e deixar lugares onde estávamos curtindo para querer ir para casa, sozinho, sem dar explicação. Por vezes, ele estava rindo, brincando. No entanto, de repente, entristecia e ficava questionando a vida.

Ele tinha muita insatisfação com a vida. É como se não pertencesse a esse planeta. Na época, por mera ignorância minha, ignorância no sentido estrito da palavra mesmo, por desconhecimento a respeito da doença depressão, eu me aborrecia e achava ele esquisito. Pensei em terminar o namoro muitas vezes, mas apesar da tristeza dele, Dudu era muito afetivo e eu não conseguia deixá-lo.

Ele tinha diagnóstico de depressão feita por médico e/ou psiquiatra?

Não. Não que eu soubesse. Namoramos por um ano e jamais ouvi ele falar nada a respeito, nem sobre tratamento com remédios, por exemplo, nem sobre uma psicoterapia. O tabu que envolve esse tema ainda é enorme nos dias de hoje; falar a palavra suicídio é quase um palavrão, apesar do aprofundamento de estudos e advertências sobre os cuidados com a saúde mental, ainda muito incipientes.

Mas há 32 anos, ter um diagnóstico de ordem da saúde mental era quase uma sentença de morte. Eu acredito que nem Dudu sabia o que se passava com ele, isto é, creio que nem ele tinha consciência de que estava doente e com uma doença capaz de fazê-lo tirar a própria vida, como a depressão.

Depois desta experiência o que mudou na sua vida?

Tudo! Costumo dizer que minha vida é AD/DD, ou seja, Antes de Dudu/Depois de Dudu. Fiz psicoterapia, com uma psiquiatra mesmo, para entender o que havia acontecido, li muitos livros e alimentei por anos o desejo de escrever o meu livro, contando essa história, no intuito de alertas as pessoas sobre a ausência de informações relevantes, campanhas impactantes, a respeito do suicídio.

O livro eu consegui lançar em maio deste ano, mas, além disso, passei a me interessar em ajudar pessoas que vivem ou viveram o mesmo drama que eu, alertando a todos sobre os perigos da depressão suicida. Não podemos esquecer que falar sobre suicídio é falar sobre vida.

Hoje você é uma ativista na luta por campanhas esclarecedoras e informação efetiva. Como é esse impacto? Consegue observar uma redução por mortes de suicídio?

Sim, me sinto totalmente engajada nessa causa! E venho batendo na tecla da importância da informação clara, precisa, enfática, persistente e efetiva a respeito dos
efeitos e consequências da depressão. A depressão pode matar, e as mortes por suicídio chegam ao absurdo número de mais de 1 milhão de pessoas por ano, ao redor do mundo. A cada 40 segundos uma pessoa tira sua vida. Esse número é extremamente alto, para a pouca importância que o governo brasileiro dá a essa causa.

Não é pra menos que a OMS considere a depressão a doença do século. Mas, e aí? O que estamos fazendo para reduzir essa tragédia? Todos nós somos responsáveis por isso, e sabemos que tanto as causas são multifatoriais, quanto a ajuda precisa ser de todas as partes e vir de todos os lados.

Temos que educar nossas crianças, os jovens, as pessoas, a entenderem quem está em sofrimento, para que todos possam respeitar e acolher quem precisa. Caso contrário, as pessoas vão continuar morrendo ao nosso redor. E pode acontecer com qualquer um de nós.

Como se dá suas palestras?

Abordo essa importância da fala consciente e informativa sobre os cuidados e consequências da depressão, trazendo minha própria história de vida. Falar é a melhor opção nesse caso. Se não soubermos minimamente sobre essa doença e como lidar com ela, não temos como ajudar nossos entes queridos, nem muito menos colaborar para a cura deles, como eu mesma não tive.

A informação é algo muito simples de se fazer, basta termos vontade e interesse.

Estou levando minha voz pelo mundo, para compensar o silêncio que tomou conta de mim nos primeiros momentos após a morte de Dudu, bem como estou dando voz às milhares de pessoas que sofrem com essa doença ao redor do mundo, e não são ouvidas, compreendidas e respeitadas. E falo do lugar que me cabe
como uma ‘sobrevivente de morte por suicídio’. A própria OMS tem estudo que fala que 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados. Então, eu pergunto, por que não são evitados?

Você tem um livro e publicou sua experiência?

Sim, escrever esse livro que conta essa experiência dramática que vivi era um sonho, não apenas pelo desejo de escrevê-lo mas, principalmente, para despertar nas pessoas a importância de dar importância aos sinais dados por quem pensa em tirar sua própria vida. E são muitos sinais, porém só podemos conhecê-los e ajudar nossos entes queridos, se os conhecermos. Para isso, é preciso haver campanhas impactantes sobre as doenças mentais e o suicídio, e, infelizmente, não temos. Não aqui no Brasil. Também abordo no livro como superei essa tragédia. Vale a pena conhecer minha história no livro “Histórias Memoráveis – Pessoas que Inspiram”.

Quais os conselhos que você dá a quem está em profundo sofrimento e/ou depressão?

Por não ser da área da saúde, não tenho autoridade para tanto, porém, posso dizer, com certeza, como falo no meu livro; aconteça o que acontecer, escolha viver. Com a experiência que tenho de vida, hoje, aos 58 anos, não tenho qualquer dúvida de que ninguém quer morrer. E para curar uma dor, resolver um problema, aliviar uma angústia, uma doença como a depressão, ninguém precisa se matar/morrer, e, sim, se tratar, buscar ajuda, e há diversos profissionais da saúde aptos a ajudar, inclusive na rede pública.

O que a família pode fazer para ajudar?

Primeiramente, cuidar de si próprios, ou seja, para lidar com um problema de saúde mental de seus filhos, irmãos, ou qualquer ente querido, a própria pessoa tem que buscar ajuda profissional para estar apto a acolhê-lo com mais habilidade, porque, definitivamente, não é uma tarefa fácil. A partir daí, uma escuta ativa, paciência, compreensão e amor já são um ótimo começo.

Como você enxerga o trabalho da Centro de Valorização da Vida – CVV?

Tenho uma admiração enorme por essa Instituição! Eu mesma já participei de um trabalho voluntário, quando fiz um Curso no SEBRAE, o EMPRETEC, momento em que fizemos uma Campanha para arrecadar dinheiro para doarmos ao CVV.

Nessa oportunidade, conheci pessoalmente o CVV de Salvador. O CVV tem um trabalho árduo e espetacular de atendimento gratuito, 24 h/dia, 7 dias/semana, 364 dias/ano, que, com certeza, já ajudou a salvar uma infinidade de pessoas. E, diga-se, o CVV é uma Instituição filantrópica privada, que não recebe qualquer ajuda governamental, infelizmente! É sustentada pelos próprios voluntários e doações. E mais, eles jamais vão saber quem está do outro lado da linha. Eles, sequer, perguntam seu nome. E o atendimento pode ser por telefone, e-mail ou chat.

E o que você acha da saúde mental pública no nosso país?

Ainda engatinhando, embora já forneça tratamento psicológico à população carente.

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