No segundo semestre de 2021, a equipe do Hospital Pequeno Príncipe, uma referência em pediatria em Curitiba, observou um aumento significativo no número de crianças e adolescentes chegando à emergência com um quadro até então raro: tentativas de suicídio, uma tendência que se agravou em 2022, triplicando os casos atendidos em comparação a 2019. O destaque preocupante foi a idade cada vez menor das vítimas, com quase 70% delas com 14 anos ou menos.
Dados tabulados pelo Estadão, a partir do portal Datasus do Ministério da Saúde, revelam que em 2021, 1.299 crianças e adolescentes (até 19 anos) tiraram a própria vida, o maior número desde 1996. Em 2022, com dados preliminares, foram registrados 1.194 óbitos por suicídio nessa faixa etária, sendo o terceiro maior número da série histórica, ficando atrás apenas de 2021 e 2019.
“Passamos a ver cada vez mais precocemente uma condição mental de maior fragilidade. Nos últimos três anos, tornou-se mais frequente atendermos pré-adolescentes que tentaram suicídio”, afirma Marianne Bonilha, psicóloga do hospital. A pediatra Luci Pfeiffer, coordenadora do programa Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Dedica), iniciativa ligada ao Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), também observou maior frequência de casos do tipo entre os pacientes do programa que coordena. Nos últimos tempos, começou a ver tentativas de suicídio em crianças de menos de dez anos.
Conforme o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em setembro do ano passado com dados até 2021, a taxa de suicídios cresceu 49% entre adolescentes de 15 a 19 anos de 2016 a 2021, atingindo 6,6 óbitos por 100 mil habitantes. Para aqueles de 10 a 14 anos, embora a taxa seja menor (1,33), a alta também foi expressiva, alcançando 45%. O Brasil enfrenta um aumento recorde no número total de suicídios nos últimos anos, com 2022 registrando o maior número de óbitos do tipo no país (15.609), seguido por 2021 (15.499). As faixas etárias da adolescência (até 19 anos) e jovens adultos (20 a 39 anos) apresentam os maiores aumentos percentuais no período: 40% e 42%, respectivamente.
Especialistas apontam para diversas razões associadas ao aumento, incluindo as sequelas do isolamento durante a pandemia, violência e negligência, especialmente no ambiente familiar, o empobrecimento nas relações entre jovens, pais e cuidadores, e o uso excessivo da internet e redes sociais, todos fatores que contribuem para o agravamento de transtornos mentais e ideação suicida entre crianças e adolescentes.