A causa da depressão provavelmente não é o que você está pensando

cOMPARTILHE:

QUANTA MAGAZINE – Muitas vezes as pessoas acham que sabem o que causa a depressão crônica. Pesquisas indicam que mais de 80% das pessoas culpam um “desequilíbrio químico” no cérebro. A ideia é difundida na psicologia pop e citada em artigos de pesquisadores e manuais de medicina. Listening to Prozac, livro que descreve quanto foi transformador tratar a depressão com medicamentos que visam corrigir esse desequilíbrio, passou meses na lista dos mais vendidos do New York Times.

A substância química em desequilíbrio no cérebro é a serotonina, um importante neurotransmissor com os lendários efeitos de “bem-estar”. A serotonina ajuda a regular os sistemas cerebrais que controlam tudo, desde a temperatura corporal e o sono até a fome e o desejo sexual. Por décadas, também foi apontada como o remédio infalível para combater a depressão. Medicamentos vastamente prescritos como o Prozac (fluoxetina) são feitos para tratar a depressão crônica aumentando os níveis de serotonina.

No entanto, as causas da depressão vão muito além da deficiência de serotonina. Estudos clínicos concluíram repetidas vezes que o papel da serotonina na depressão tem sido exagerado. De fato, toda a premissa da teoria do desequilíbrio químico pode estar errada, apesar do alívio que o Prozac parece trazer a muitos pacientes.

Uma revisão da literatura que apareceu na Molecular Psychiatry em julho foi a mais recente e talvez a mais grave sentença de morte para a hipótese da serotonina, pelo menos em sua forma mais simples. Uma equipe internacional de cientistas liderada por Joanna Moncrieff, da University College London, revisou 361 artigos de seis áreas de pesquisa e examinou cuidadosamente 17 deles. Não se encontraram evidências convincentes de que níveis mais baixos de serotonina causassem ou estivessem associados à depressão. Pessoas com depressão não pareciam ter menos atividade de serotonina do que pessoas sem o distúrbio.

Experimentos nos quais os pesquisadores reduziram artificialmente os níveis de serotonina de voluntários não chegaram a causar depressão com frequência. Estudos genéticos também parecem descartar qualquer conexão entre os genes que afetam os níveis de serotonina e a depressão, mesmo quando os pesquisadores tentaram considerar o estresse como um possível fator correlato.

“Se você ainda pensa que é simplesmente um desequilíbrio químico da serotonina, é melhor pensar de novo”, disse Taylor Braund, neurocientista clínico e pesquisador de pós-doutorado no Black Dog Institute, na Austrália, que não esteve envolvido no novo estudo. (Black dog, ou seja, “cachorro preto”, era a maneira como Winston Churchill se referia a seus próprios humores sombrios, que alguns historiadores especulam que fosse depressão).

A percepção de que os déficits de serotonina por si só provavelmente não causam depressão deixou os cientistas se perguntando sobre sua verdadeira causa. As evidências sugerem que talvez não haja uma resposta simples. Na verdade, estão levando os pesquisadores neuropsiquiátricos a repensar o que é a depressão.

Tratando a doença errada

O foco na serotonina começou com um medicamento para tuberculose. Na década de 1950, os médicos começaram a prescrever iproniazida, um composto desenvolvido para atacar a bactéria Mycobacterium tuberculosis nos pulmões. A droga não era particularmente boa para o tratamento de infecções por tuberculose – mas presenteava alguns pacientes com um efeito colateral inesperado e agradável. “A função pulmonar e todo o resto não melhoravam muito, mas o humor tendia a melhorar”, disse Gerard Sanacora, psiquiatra clínico e diretor do programa de pesquisa em depressão da Universidade de Yale.

Perplexos com esse resultado, os pesquisadores começaram a estudar como a iproniazida e drogas relacionadas agiam no cérebro de ratos e coelhos. Eles descobriram que as drogas impediam que o corpo dos animais absorvesse compostos chamados aminas – os quais incluem a serotonina, substância química que transmite mensagens entre as células nervosas do cérebro.

Vários psicólogos proeminentes, entre eles os falecidos Alec Coppen e Joseph Schildkraut, agarraram-se à ideia de que a depressão poderia ser causada por uma deficiência crônica de serotonina no cérebro. A hipótese da serotonina passou a informar décadas de desenvolvimento de drogas e pesquisas neurocientíficas. No final dos anos 1980, levou à introdução de medicamentos Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina (ISRS), como o Prozac. (As drogas aumentam os níveis de atividade da serotonina diminuindo a absorção do neurotransmissor pelos neurônios). Hoje, a hipótese da serotonina ainda é a explicação que se apresenta com mais frequência a pacientes com depressão quando são prescritos ISRSs.

Mas dúvidas sobre o modelo da serotonina já circulavam em meados da década de 1990. Alguns pesquisadores notaram que os ISRSs geralmente ficavam aquém das expectativas e não melhoravam significativamente em relação ao desempenho de medicamentos mais antigos, como o lítio. “Os estudos realmente não batem com a realidade”, disse Moncrieff.

No início dos anos 2000, poucos especialistas acreditavam que a depressão era causada apenas pela falta de serotonina, mas ninguém jamais tentou uma avaliação abrangente das evidências. Isso acabou levando Moncrieff a organizar tal estudo, “para que pudéssemos ter uma perspectiva sobre se essa teoria tinha fundamento ou não”, disse ela.

Ela e seus colegas descobriram que não, mas a hipótese da serotonina ainda tem adeptos. Em outubro do ano passado – apenas alguns meses depois da publicação da revisão –, um artigo publicado online na Biological Psychiatry afirmou oferecer uma validação concreta da teoria da serotonina. Mas outros pesquisadores continuam céticos, porque o estudo analisou apenas 17 voluntários. Moncrieff descartou os resultados, dizendo que são estatisticamente insignificantes.

Fonte: Estadão

Comente:

Deixe um comentário

Este site utiliza cookies para melhorar a experiência dos usuários. Ao acessar nosso site você concorda com nossas políticas de privacidade.