O Sistema Único de Saúde (SUS) gastou mais de R$ 3,8 bilhões no tratamento do câncer em 2022 — e, segundo pesquisadores, parte significativa desse dinheiro poderia ser economizada se os tumores tivessem sido diagnosticados em fases precoces, quando o tratamento é mais efetivo e mais barato.
Esses são alguns dos achados de uma recente pesquisa do Observatório de Oncologia, que faz parte do grupo da sociedade civil Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), a partir de dados do ano passado disponíveis no DataSUS.
A análise revelou, por exemplo, que uma única sessão de quimioterapia contra o câncer de mama de estadiamento 1 (o mais precoce) custa R$ 134,17 aos cofres públicos. Já na fase 4 da doença (a mais avançada), essa mesma modalidade de tratamento fica R$ 809,56 — um valor seis vezes mais alto.
O tratamento tende a ficar mais caro, segundo especialistas, por envolver drogas específicas, desenvolvidas para combater tumores avançados. Essas opções terapêuticas costumam ter um preço mais elevado. Além disso, o paciente em estágio avançado pode necessitar de sessões extras de tratamento e um acompanhamento mais próximo.
Veja abaixo mais detalhes sobre o chamado estadiamento (ou estágio) — termo usado para apontar o grau de disseminação do câncer.
Ainda segundo as estatísticas disponíveis, uma parcela considerável dos tumores é detectada tardiamente. No câncer de mama, 57% dos casos são flagrados em estadiamentos 1 e 2, ante 43% que já evoluíram para 3 e 4.
Já no caso do pulmão, 88% dos pacientes só descobrem a enfermidade quando ela está mais grave, nos estadiamentos 3 e 4.
Os pesquisadores calcularam essas estimativas de possível economia por estágio e tipo de câncer — mas apontam que não é possível determinar com precisão uma economia total devido à falta de dados mais detalhados na área de oncologia, como a gravidade de todos (ou da maioria) dos tumores diagnosticados no país.
O que dizem os números
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), são esperados 704 mil casos novose 235 mil mortes por essa doença no Brasil a cada ano.
Isso faz com que os tumores sejam a terceira principal causa de óbitos no país, atrás apenas do infarto e do acidente vascular cerebral (AVC).
De acordo com o levantamento do Observatório de Oncologia, dos 3,8 bilhões gastos apenas com o tratamento do câncer no SUS, 77% desse valor (R$ 3 bilhões) vai para o tratamento ambulatorial, que envolve sessões de quimioterapia e radioterapia, por exemplo.
As somas restantes são utilizadas para cirurgias (R$ 519 milhões, ou 13% do total) e internações (R$ 374 milhões, ou 10%).
Ao dividir esse custo total pelo número de intervenções realizadas no ano passado, os pesquisadores descobriram que cada procedimento ambulatorial em oncologia custa, em média, R$ 758,93, enquanto uma internação sai R$ 1.082,22 e uma cirurgia representa R$ 3.406,07.
A epidemiologista Ana Beatriz Almeida, uma das autoras do trabalho, destaca que esses valores se referem exclusivamente ao tratamento — incluindo gastos com remédios, insumos e equipamentos.
Os responsáveis pelo levantamento também mostram uma preocupação com os efeitos da pandemia de covid-19 nesse orçamento. Afinal, durante o período que o coronavírus circulou com muita intensidade, nos anos de 2020 e 2021, boa parte da população não saiu de casa e deixou de fazer os exames capazes de detectar o câncer em estágios precoces.
“Estamos falando de um sistema que já tem recursos limitados. Então, qualquer nova sobrecarga orçamentária representa um alerta”, diz Nina Melo, coordenadora do Observatório de Oncologia.
“E queremos justamente que os pacientes sejam diagnosticados de forma precoce. Isso representa um desfecho clínico melhor, mais qualidade de vida e, claro, uma redução de custos ao SUS”, complementa ela.
Custo por tumor
As diferenças ficam ainda mais visíveis quando esses valores são divididos segundo o tipo de câncer e o estágio em que eles são diagnosticados.
Para fazer esses cálculos, os especialistas selecionaram quatro tumores frequentes na população: os de mama, próstata, colorretal e pulmão.
Esse grupo de doenças consome uma fatia considerável do orçamento das terapias oncológicas na rede pública: juntos, os problemas tumorais que afetam alguma dessas quatro partes do corpo representam 57% dos gastos totais com quimioterapia, 54% da radioterapia, 25% das internações e 31% das cirurgias.
No gráfico a seguir, você confere os valores totais usados no SUS com o tratamento desses cânceres, divididos em três modalidades terapêuticas e os gastos com internação.
Mas e os custos individuais de cada tratamento? Para responder a essa questão, o Observatório de Oncologia estimou o preço de uma única sessão de quimioterapia de acordo com o estadiamento da doença.
“Nós já esperávamos que houvesse um aumento de preços em estadiamentos mais avançados, mas a diferença dos valores foi muito além do que imaginávamos”, diz Melo.
“Quando a doença é descoberta em estadiamento avançado, os protocolos terapêuticos incluem medicamentos de alto custo na maior parte dos casos”, explica a médica Catherine Moura, CEO da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (Abrale), que não esteve envolvida diretamente com a pesquisa.
“E isso tudo tem um preço”, complementa.
Dificuldades nas estatísticas
Vale reforçar que esses valores apresentados anteriormente se referem apenas a uma única sessão de químio. Geralmente, os pacientes precisam fazer diversos ciclos dessa terapia, com intervalos de algumas semanas entre eles.
Ou seja, se esses valores forem multiplicados pelo número de quimioterapias realizadas e a quantidade de pacientes que recebe o diagnóstico de câncer todos os anos, a economia com o tratamento poderia chegar à casa dos milhões de reais se mais tumores fossem diagnosticados em estágios precoces, acreditam os pesquisadores.
E aqui surge uma grande dificuldade para completar essa análise: a falta de registros nacionais mais detalhados sobre a gravidade do câncer no momento da detecção.
A reportagem da BBC News Brasil pediu que o Observatório de Oncologia levantasse quantos casos da doença são diagnosticados no Brasil de acordo com o estadiamento.
As estatísticas encontradas pelos pesquisadores mostraram um cenário bastante nebuloso. Uma grande proporção de tumores notificados tem o estadiamento classificado como “ignorado”.
“Isso é muito prejudicial para a epidemiologia do câncer, e leva a limitações nas análises que poderíamos fazer”, lamenta Almeida.
Vale dizer que essas estatísticas em específico vêm apenas de hospitais de referência em oncologia que realizam esse trabalho de transmitir os dados para os bancos públicos, e não representam toda a realidade do diagnóstico e do tratamento do câncer no país.
Se excluirmos a alta proporção de tumores com estadiamento ignorado e levarmos em conta apenas aqueles que receberam a classificação de gravidade adequada, é possível ter uma ideia de como o diagnóstico da doença ocorre muitas vezes numa fase tardia, em especial quando ela acomete o pulmão e a região colorretal:
Segundo os pesquisadores, isso permite ter uma ideia — mesmo que vaga — de como a detecção precoce dos tumores representaria uma economia aos cofres públicos (sem contar, claro, nas maiores chances de sobrevida relacionadas a um tratamento realizado quando a doença ainda não evoluiu).
Almeida lembra que os impactos financeiros do câncer vão muito além do preço de um remédio ou de outro.
“Não podemos nos esquecer dos custos indiretos. Um paciente muitas vezes deixa de trabalhar, além das mortes prematuras também representarem um prejuízo à economia”, destaca a autora da pesquisa.
Moura, da Abrale, entende que é preciso focar cada vez mais em campanhas de prevenção e detecção precoce do câncer.
“Todo esse investimento é efetivo”, acredita ela.
“É importante que a população de todo o país esteja consciente sobre os diferentes tipos de câncer, os mais prevalentes e como minimizar os fatores de risco para eles.”
“E somente com campanhas de conscientização, feitas por meio de diferentes canais, para que o alcance seja igualitário, conseguiremos alcançar esse resultado”, conclui ela.
Fonte: G1