O Fantástico investiga uma clínica na Flórida (EUA), onde um médico formado em São Paulo oferece um tratamento sem nenhuma comprovação científica: pra câncer, alzheimer, parkinson, e outras doenças graves. Cada sessão custa cerca de R$ 200 mil e quase 100% dos pacientes são do Brasil.
O médico brasileiro Marcio Aurélio Martins Abreu mudou o nome para Marc Abreu nos Estados Unidos. Em abril de 2023, em um evento na Califórnia, ele fez um anúncio: “Meu paciente Scott, depois de dois anos, está com remissão completa de um câncer de próstata de estágio quatro”.
A suposta cura teve muita repercussão no Brasil. O mesmo médico já tinha aparecido na TV brasileira promovendo um tratamento térmico para Alzheimer, Parkinson e outra doenças neurológicas Normalmente, ele é apresentado como pesquisador da Universidade Yale e como inventor de um equipamento aprovado pela FDA, a Agência de Saúde Americana.
O Fantástico foi para a cidade de Aventura, na Flórida, conhecer o tratamento de Marc Abreu. As pessoas que vão em busca da cura tiram sangue, passam por testes cognitivos, provas de força e, depois, o tudo de calor. Cada um pagou, adiantados, cerca de R$ 200 mil para uma sessão de duas a três horas.
A clínica se chama BTT. É uma abreviação em inglês pra “túnel térmico cerebral”. O túnel seria uma espécie de ligação que vai desde o cérebro até uma pele bem fininha entre o olho e o nariz. Então, medindo a temperatura dessa pele, daria pra saber a temperatura cerebral. E sem botar um termômetro no cérebro, o que seria muito invasivo.
Um termômetro pra medir externamente a temperatura do cérebro: uma invenção que parecia útil, a partir de um achado científico que parecia importante. Mas tem um detalhe: a “descoberta” ficou nisso. Na notícia que saiu no site da universidade Yale, há 20 anos, e na repercussão que teve na imprensa brasileira. Até hoje, nunca foi publicada numa revista científica. E, pro mundo da Ciência, se não publicou, não existe.
No caso da “descoberta” do “túnel térmico cerebral”, por exemplo, Marc Abreu só apresenta um texto. De 2020, 17 anos depois do anúncio do “túnel”. Não é um artigo científico, não passou pela avaliação de outros pesquisadores, nem foi aceito por nenhuma revista – nos 16 anos que passou em Yale, de 2000 a 2016, Marc Abreu não teve nenhum trabalho publicado.
Na universidade Yale era instrutor clínico, que é uma espécie de monitor de alunos que estão nos últimos anos do curso de medicina. Abreu só publicou quatro artigos na vida. E todos antes da história do túnel, antes de trabalhar em Yale.
Mesmo sem publicar nada, o doutor Marc foi além. Passou a usar o equipamento que ele inventou — aprovado pela Agência de Saúde Americana como termômetro para outra coisa: para supostamente “induzir” sinais no cérebro. Tudo acoplado a um tubo superaquecido, com o objetivo de atrair doentes muito graves, desesperados.
Segundo Marc Abreu, o tratamento serviria pra ativar um tipo especial de proteína: as proteínas de choque térmico. Para saber se o tratamento funciona mesmo seria preciso acompanhar o paciente depois de ele voltar pra casa. Mas o doutor Marc nunca fazia isso.
Em aplicativos de mensagens e redes sociais existem muitos relatos de tratamentos inúteis com o doutor Marc. E de gente que vendeu casa, carro, fez vaquinhas, pediu empréstimos, viajou pra clínica e não teve resultado.
Em cinco dias na clínica, ouvindo as explicações confusas do doutor Marc, foi impossível entender como funciona o “tratamento”.
O cientista Dario Rodrigues, que presidiu a sessão em que o médico brasileiro anunciou a suposta cura de câncer, afirma que, no evento na Califórnia, ninguém percebeu muito bem qual era a técnica proposta por Marc Abreu. O pesquisador destaca também que as informações apresentadas são muito superficiais e não provavam que o câncer tinha sido curado e, mesmo que provassem, seria só um caso.
“Tem que ser feito um estudo com vários pacientes. Normalmente, a primeira fase de estudos clínicos tipo 5, 10 pacientes, talvez 20 pacientes em que os primeiros vão ser avaliados só para segurança”, afirma Dario Rodrigues.
O Doutor Marc nunca fez nada disso: não desenvolveu estudos prévios de segurança nem tem dados que reúnam um grande número de pacientes – o chamado estudo clínico. Assim, restam casos isolados, que, cientificamente, não comprovam nada.
O médico diz que aplica o tratamento no tubo há sete anos, tempo que seria mais do que suficiente pra fazer um ensaio clínico. Mas enquanto isso não acontece –e se é que vai acontecer–, ele fica relatando casos isolados, sem valor científico.
Pra tratamentos que anunciam uma suposta cura milagrosa, os cientistas sempre lembram: “No que diz respeito ao contexto científico, não, não, não é significativo”, ressalta Dario.
Na Flórida, Marc Abreu segue atuando nas sombras da medicina, sem reconhecimento da comunidade científica, cobrando caro e apostando na dúvida e no desespero dos pacientes.
Fonte: G1