Brasileiros com problemas renais graves não estão conseguindo vagas para fazer hemodiálise em clínicas do SUS. Alguns especialistas chegam a falar em crise humanitária.
A máquina que faz o papel dos rins e filtra o sangue é a única chance de sobrevivência para cerca de 150 mil brasileiros com doença renal crônica e grave. Desses, quase 36 mil estão na fila do transplante – uma solução que está mais difícil de alcançar com a queda das doações de órgãos e o reduzido número de equipes de captação e cirurgia.
Sem um rim novo, o uso do equipamento é essencial para pacientes como Vanessa Francisca de Lima Alves, que é mãe e dona de casa.
“Eu venho três vezes por semana: segundas, quartas e sextas. E a gente fica aqui quatro horas. Se não fosse ele, já teria falecido. Então, é o que mantém a minha vida”, diz.
E também a vida do técnico automotivo Felipe Rosa Peixoto, que há 20 anos consegue trabalhar e sustentar a família graças à hemodiálise que faz no ambulatório do Hospital dos Rins, um dos poucos da rede pública.
O problema mais grave e urgente é que a falta de equipamentos e de vagas para sessões de hemodiálise vêm se agravando no Brasil, formando uma fila de quem simplesmente não pode esperar. Por isso, os especialistas classificam o momento como uma grave crise humanitária.
Levantamento feito pela produção do Jornal Nacional encontrou mais de 1,4 mil pacientes na fila de espera em oito estados e no Distrito Federal.
Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, todos os anos, cerca de 48 mil novos pacientes precisam de hemodiálise no Brasil. A espera no SUS está crescendo e colocando em risco a vida de pessoas como o cuidador de idosos Mike Mendes Duarte, que já deveria ter começado o tratamento.
“Minhas pernas estão muito inchadas, meu corpo. Eu não durmo já faz dias. Ontem mesmo não consegui dormir devido às dores que eu sinto. Muitas dores, dores nos meus rins, dor no corpo inteiro”, conta.
Se a doença renal se agrava e o paciente não consegue a hemodiálise ambulatorial, acaba sendo internado para fazer o tratamento.
“Tem o gasto direto, que é o fato de um paciente que pode fazer o tratamento ambulatorial precisar fazer esse tratamento em nível hospitalar, o que encarece o tratamento. Tem o gasto indireto, que é o fato de você estar ocupando um leito de hospital ou um leito de UTI que não precisaria estar sendo ocupado. E tem o gasto com o custo social, que é o impacto na vida do indivíduo e de seus familiares”, explica Lúcio Requião, secretário da Sociedade Brasileira de Nefrologia SP.
Repórter: Não falta vaga de hemodiálise para quem tem plano de saúde ou dinheiro para pagar…
Yussif: Não, não falta.
A maioria das 872 clínicas de hemodiálise no Brasil é particular e conveniada com o SUS, que paga hoje R$ 218 por sessão. A Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante aponta a defasagem na remuneração como responsável pela falta de vagas, e acrescenta que os reajustes previstos são insuficientes e não levam em conta o número de pacientes por máquina.
“Saiu uma portaria agora que vai aumentar para R$ 229 e, nessa mesma portaria, já prevê um aumento em setembro para R$ 240. Nós teríamos que estar recebendo hoje em torno de R$ 285 por sessão de hemodiálise no Brasil. O tratamento da insuficiência renal crônica é um tratamento vital. O paciente não pode ficar sem. Ele não sobrevive sem o tratamento”, afirma Yussif Ali Mere Júnior, da Associação Brasileira de Centros de Diálise e Transplante.
O Ministério da Saúde disse que, com o reajuste previsto, o governo vai investir R$ 600 milhões para aumentar a tabela do SUS e fazer a manutenção de equipamentos de hemodiálise; e que essa iniciativa faz parte da estratégia de fortalecimento da atenção especializada e redução do tempo de espera de pacientes por exames, procedimentos e cirurgias.
Segundo o ministério, essa pauta prioritária do governo federal e esse valor representa um aumento de 15% em relação ao que foi repassado para esses serviços em 2022. O Ministério da Saúde lembra ainda que essas ações foram pactuadas com estados e municípios. O valor do incentivo vai ser de quase R$ 53,2 mil por equipamento para as clínicas que tenham entre uma e 19 máquinas de hemodiálise e de R$ 9.048 para os locais que têm entre 20 e 29 equipamentos.
A Secretaria da Saúde de São Paulo afirmou que o cuidador de idosos Mike Mendes Duarte vai fazer o tratamento, e que a cidade tem 26 clínicas conveniadas para atendimentos de urgência.
Fonte: G1