Pacientes com falência intestinal temem a ‘morte’ com fim de programa financiado pelo Ministério da Saúde

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Pacientes em falência intestinal inseridos em um programa no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP) afirmam viver um pesadelo e temem a morte. As 14 pessoas assistidas foram informadas que o Ministério da Saúde (MS) não aprovou a renovação do contrato do Programa de Reabilitação Intestinal Nutrição Parenteral, cujo acordo termina neste mês.

Sem a verba, o HC afirmou que não será possível manter os cuidados necessários. A nutrição parenteral é utilizada para complementar ou substituir a alimentação normal, que não é suficiente para estes pacientes com falência total ou de parte do intestino. Sem os devidos cuidados, eles podem morrer por desnutrição severa.

“Sem a medicação a gente vai morrer em poucas semanas, porque é a nossa alimentação e ninguém consegue viver sem comer […]. A única coisa que o hospital consegue nos fornecer é: ‘A gente não vai deixar vocês morrerem. Vai internar todo mundo”, disse Marília de Mello Serafim, de 38 anos, e moradora de Itanhaém, no litoral de São Paulo.

Segundo o HC, a União repassou R$ 5,6 milhões para o desenvolvimento do programa por um ano e seis meses. O contrato chegaria ao fim dezembro de 2022, mas foi renovado de forma emergencial até julho deste ano. Não há nenhuma sinalização, até o momento, para um acordo.

Caso o MS não atualize os termos e garanta novos repasses, os medicamentos e insumos para a nutrição parenteral vão acabar — a previsão é de que comecem a faltar a partir de agosto.

Em nota, o Ministério da Saúde informou que o programa está vigente e que não há perspectiva para encerramento por parte do órgão. A reportagem questionou sobre a renovação, o valor do financiamento e o medo dos pacientes, mas não teve resposta até a última atualização desta matéria.

Proposta de internação

O programa é domiciliar, mas, após serem informados sobre o fim do contrato, os pacientes disseram que que o HC propôs que todos fossem internados. Desta forma, o Sistema Único de Saúde (SUS) seria obrigado a oferecer a nutrição parenteral.

Duas pacientes assistidas pelo programa conversaram com o g1 e afirmaram que não querem “morar” no hospital para sempre.

“Morar no hospital é assinar uma sentença de condenação porque vai acabar com a nossa vida. A gente vai ser encarcerado sem ter cometido crime nenhum”, disse Letícia Cristina Teixeira, de 25 anos.

Questionado sobre a proposta de internação dos pacientes, o Hospital das Clínicas negou. A unidade de saúde ressaltou ter solicitado ao Ministério da Saúde a prorrogação do programa por mais seis meses, além de negociar uma renovação mais abrangente.

A proposta do HC é de que o novo acordo garanta não apenas a nutrição parenteral domiciliar, mas os transplantes de intestino e multivisceral [em combinação com outros órgãos]. Segundo a instituição, até o momento, não houve retorno do MS.

O hospital destaca que os 14 pacientes seguem em acompanhamento ambulatorial normalmente, inclusive com a alimentação a cada 15 dias. O HC reforçou, porém, que não será possível dar continuidade ao tratamento sem os recursos.

Desespero

A paciente Laís Cristina Teixeira, de 25 anos, tem mitocondriopatia, uma mutação genética que, no caso dela, afetou a parte digestiva e ocasionou na retirada total do intestino grosso, responsável por absorver a água e os nutrientes finais do alimento, e parte da funcionalidade do intestino delgado, órgão responsável pela absorção dos alimentos.

“Quando eu entrei na parenteral, os médicos não acreditavam que eu sairia do hospital […]. Eu comecei a melhorar o meu quadro clínico a ponto de me oferecerem o programa que era para voltar para casa e ter uma vida. Eu me sinto com o mesmo sentimento daquela época: Caramba, minha vida acabou e eu vou morar em um hospital”, contou.

Já a paciente Marília de Mello Serafim, de 38 anos, disse ao g1 ter entrado no programa ao ser diagnosticada com trombose mesentérica, quando um coágulo sanguíneo se forma em uma das principais veias que drenam o sangue do intestino, após uma hérnia por conta de uma cirurgia bariátrica [operação de redução de estômago].

Segundo a paciente, a condição fez com que ela precisasse de uma cirurgia de retirada total do intestino delgado, órgão responsável pela absorção dos alimentos. Um dos requisitos do programa é morar na capital para o tratamento domiciliar. Por este motivo, Marília precisou se mudar de Itanhaém, no litoral de São Paulo.

Marília contou estar apavorada, já que a próxima mudança pode ser morar em um hospital ou ficar sem a nutrição parenteral e morrer.

Apesar de causas diferentes para a falência intestinal, Laís e Marília têm sentimentos parecidos. Para elas, o programa fez com que voltassem a ter uma vida normal. É certo que precisam ficar de 12 a 16 horas recebendo medicação em casa, mas afirmam que é um pequeno preço a se pagar diante do cenário que se aproxima: morar no hospital ou ficar sem medicamentos.

Nutrição parenteral

Ao g1, a nutricionista Beatriz Hiromi explicou que a nutrição parenteral é uma solução composta por carboidratos, aminoácidos, lipídios, vitaminas e minerais.

De acordo com a especialista, o tratamento é indicado para pessoas com inviabilidade do uso do trato gastrointestinal, responsável por processar os alimentos para obter energia e livrar o corpo de resíduos sólidos, ou incapazes de atingir o valor de carboidratos e proteínas necessários por alimentação normal.

Fonte: G1

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