Uma revisão das orientações sobre o momento ideal de iniciar e interromper o rastreamento do câncer colorretal, publicada em agosto pelo American College of Physicians, concluiu que o começo do monitoramento deve ocorrer aos 50 anos, em contraste com a indicação anterior, de 45 anos.
Essa nova diretriz segue a Organização Mundial da Saúde, que sugere o início aos 50 anos, mas contradiz as recomendações da American Cancer Society, da SBCO (Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica) e da SBCP (Sociedade Brasileira de Coloproctologia), que preconizam o início do rastreamento aos 45 anos — ou até antes, se houver histórico familiar.
Essa orientação leva em conta adultos de risco médio, aqueles da população em geral, sem nenhum histórico familiar nem diagnóstico prévio de pólipos (que é uma lesão pré-maligna) nem doenças inflamatórias intestinais.
Os pesquisadores analisaram diretrizes dos Estados Unidos e de outros países publicadas entre janeiro de 2018 e abril de 2023. Eles compararam o início do rastreio aos 45 e aos 50 anos e constataram que, de fato, ao iniciar cinco anos mais cedo, foi possível prevenir poucos casos (de 2.000 a 3.000 rastreados), reduzir um pequeno número de mortes e garantir mais anos de vida.
Porém, os pesquisadores ressaltam que foi necessário fazer um número maior de colonoscopias (a quantidade de exames saltou de 161 mil para 784 por mil), e houve mais complicações geradas pelo exame — entre elas, problemas gastrointestinais, como perfuração do intestino, o que provocou eventos hemorrágicos.
De acordo com Rodrigo Fogace, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, a colonoscopia é um exame invasivo que não está isento de riscos.
Portanto, preferencialmente, deve ser realizado em ambiente hospitalar devido à necessidade de um preparo delicado, que pode causar diarreia e levar à desidratação, além dos riscos associados à sedação e ao próprio procedimento, como perfuração do intestino e sangramento.
“Existe um risco associado. Mas, quando colocamos na balança o risco em comparação com o benefício, certamente o benefício de diagnosticarmos um câncer precocemente ou até mesmo descobrirmos um pólipo, que é uma lesão pré-cancerígena, será superior ao risco. Nós, particularmente, continuaremos indicando a colonoscopia aos pacientes a partir dos 45 anos”, disse Fogace.
Nas novas diretrizes, os pesquisadores também ressaltam que um rastreamento mais frequente pode resultar em excesso de diagnósticos e tratamentos que nem sempre são necessários, especialmente em um sistema de saúde com recursos limitados.
Assim, eles recomendam que a frequência do rastreamento em pacientes mais jovens seja avaliada caso a caso, em discussão entre médico e paciente.
Fogace explicou que esse debate sobre o excesso de diagnósticos sempre existiu quando se fala em início de rastreio precoce: se houver o aumento da triagem, provavelmente haverá mais diagnósticos e talvez mais tratamentos do que deveria (porque, em alguns casos, a doença não chegaria a causar sintomas nem problemas ao paciente).
O oncologista lembra que essa dúvida já existe há bastante tempo, especialmente no rastreio do câncer de próstata, que tem evolução lenta.
“A dúvida é: será que vamos tratar pacientes desnecessariamente? O que a gente sabe é que, quando olhamos pacientes na faixa etária dos 50 anos, a realização da colonoscopia trouxe redução no número de mortes. Então, se olharmos para o grupo de pacientes entre 45 e 50 anos, apesar dos riscos relacionados ao exame, certamente daqui a 20, 30 anos, teremos a redução da mortalidade, apesar do aumento do diagnóstico. E é isso que buscamos”, afirmou o especialista.
No Brasil, sem considerar os tumores de pele não melanoma, o câncer colorretal ocupa a terceira posição entre os tipos de câncer mais frequentes (fica atrás dos tumores de próstata e mama).
O Inca (Instituto Nacional de Câncer) estima 45.630 novos casos para o triênio de 2023 a 2025 — 21,1 casos para cada 100 mil pessoas. Nos Estados Unidos, ele é o quarto tipo de câncer mais comum em incidência e o segundo em mortalidade.
Interromper aos 75 anos
As novas diretrizes também ressaltam que os médicos devem interromper o rastreio em adultos com mais de 75 anos ou com expectativa de vida limitada, menor do que dez anos — eles concluíram que continuar o rastreio em pessoas com mais de 80 anos mostrou pouco ou nenhum benefício.
Segundo Fogace, alguns estudos demonstram que, entre o aparecimento de um pólipo e o desenvolvimento do câncer de intestino, leva-se em torno de cinco anos. Portanto, pessoas que tenham uma expectativa de vida baixa ou idade muito avançada talvez não apresentem benefícios em termos de tempo de vida com a realização da colonoscopia.
“Começamos a entrar numa questão de análise de riscos versus benefícios. Nesses casos, talvez o risco de realizar a colonoscopia, que é um exame invasivo, seja superior ao benefício, uma vez que não vai mudar o tempo de vida do paciente. Aqui, concordamos que não devemos realizar colonoscopia como rastreio. Mas, para pacientes que têm algum sintoma da doença provavelmente já instalada, aí continua valendo a pena a colonoscopia”, afirmou.
Sangue oculto
Outras recomendações das novas diretrizes incluem a realização do exame de sangue oculto nas fezes e imunoquímico fecal a cada dois anos, além da colonoscopia a cada dez anos ou sigmoidoscopia flexível a cada dez anos.
No entanto, Fogace apresenta ressalvas em relação a essas orientações. Ele enfatiza que o exame de sangue oculto nas fezes é uma opção sensível e mais econômica para o sistema de saúde pública, mas observa que se trata de um teste pouco específico para o câncer colorretal.
“Doenças no orifício do ânus podem levar ao aparecimento de sangue oculto nas fezes — nesses casos, seria indicado fazer a colono. Mas a nossa grande preocupação com relação ao câncer colorretal é que nem todo tumor sangra, nem toda doença inicial sangra. Um pólipo dificilmente tem sangramento. Então, se nos basearmos apenas no exame de sangue oculto, diagnosticaríamos o câncer apenas quando ele já está instalado”, ressalta o especialista.
Rastreio no Brasil
No Brasil, o Inca informou que não existe uma idade específica para o início do rastreamento e “recomenda o diagnóstico precoce do câncer colorretal, que é a identificação precoce de sinais e sintomas, seguida de tratamento oportuno”. Afirmou ainda que, no momento, está em elaboração o Projeto Nacional para a Detecção Precoce do Câncer Colorretal, que contempla em suas etapas a análise das principais evidências científicas para o rastreamento desse câncer, para, assim, subsidiar as recomendações nas diretrizes. Segundo o instituto, a partir dessa análise, a idade de início do rastreamento será definida.
A SBCO afirmou que acompanha a diretriz da American Cancer Society — que recomenda que pessoas com risco médio para câncer colorretal façam exames de triagem a partir dos 45 anos.
“É uma mudança que, se também adotada no Brasil, ajudaria a detectar precocemente este tipo de tumor. Um pólipo, para evoluir para câncer, leva cerca de dez anos. A colonoscopia nessa faixa etária reduzia exponencialmente a incidência e mortalidade por este câncer”, ressalta Héber Salvador, cirurgião oncológico e presidente da SBCO.
“É fundamental que os gestores de saúde pública avaliem, embasados nos estudos de custo-efetividade disponíveis, a possibilidade de antecipação do rastreamento de câncer colorretal”, acrescenta.
Em nota, a SBPC informou que a própria recomendação da American Cancer Society deixa claro que existem discordâncias entre as sociedades médicas americanas sobre a idade de início de rastreamento do câncer colorretal em pacientes de risco moderado e diz que formou uma comissão para análise e atualização das recomendações — que hoje são de iniciar o rastreio aos 45 anos.
“A SBCP tem recomendado a ida ao médico a partir dos 45 anos para avaliar os fatores de risco e a necessidade de exames complementares ou não”, diz a nota. O parecer está previsto para ser publicado no primeiro semestre de 2024.
“Precisamos sempre individualizar o paciente, conversar sobre o risco do exame, em contrapartida ao benefício, que é diminuir o risco de desenvolver o câncer. Muitas vezes, o paciente tem receio de fazer o exame, mas, na prática, vale, sim, a pena. A colonoscopia não é apenas para diagnosticar uma lesão; ela também é feita para tratar pólipos e evitar que, no futuro, a pessoa tenha um câncer. Na nossa prática, na nossa orientação, continuamos com a indicação da colonoscopia”, concluiu Fogace.
Fonte: R7