Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH), Transtorno do Espectro Autista (TEA) e Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) são diferentes siglas que vêm sendo muito difundidas na mídia e redes sociais e que terminam confundindo a cabeça do público leigo.
Recentemente, artistas como Wesley Safadão e Letícia Sabatella, informaram ter apresentado quadros dos transtornos e ampliaram o debate sobre a importância do tema. Visando esclarecer o que são estes transtornos mentais, quais as sintomatologias e tratamentos específicos para cada um deles, o portal Olho na Saúde entrevista o psiquiatra e ex-presidente da Associação Baiana de Psiquiatria, Lucas Alves, que traça um panorama do assunto. Acompanhe a entrevista completa a seguir.
O que é o TDAH, o TEA e o TAG?
São siglas que se referem a três transtornos mentais distintos. O transtorno de ansiedade generalizada é um dos subtipos dos transtornos de ansiedade. Esse transtorno podemos desenvolver teoricamente desde a infância até após os 65 anos. São, de certa forma, circunstancias, vai depender muito de fatores externos para se desenvolver.
Já o transtorno do espectro autista e o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade são considerados transtornos de neurodesenvolvimento, que são caracterizados por dificuldades no desenvolvimento que se manifestam precocemente e influenciam o funcionamento pessoal, social, acadêmico ou pessoal. Nestes transtornos, observamos maior importância dos fatores genéticos na sua gênese, e as características são na maioria das vezes perceptíveis desde a infância.
Há mais pessoas com esses transtornos ou houve um aprimoramento da capacidade de diagnosticá-los?
A resposta é ambas. Nos últimos tempos observamos, principalmente nos países de primeiro mundo, um maior acesso das pessoas aos profissionais de saúde mental, bem como o aumento do número de profissionais habilitados para o diagnóstico e o tratamento.
Vale lembrar que após a pandemia observarmos uma maior conscientização sobre a importância do cuidado saúde mental. Ficou mais claro, por exemplo, que ansiedade é um sentimento normal, porém quando patologicamente elevado pode gerar diversos prejuízos. Isso explica, por exemplo, o aumento dos casos de transtorno de ansiedade, já demonstrados em várias pesquisas. No caso do autismo, por exemplo, atualmente conseguimos identificar sinais, e até fazer o diagnóstico precocemente. Como consequência podemos lidar com essa condição desde muito cedo, e, portanto, melhorar a qualidade de vida do indivíduo. Outro resultado é, naturalmente, o diagnóstico de mais crianças com TEA.
Muitas pessoas sugerem que alguns pais querem rotular tudo que não é considerado “normal”. Que nossa sociedade deseja diagnosticar qualquer criança que não se identifique como perfeita. Essa ideia pode ser interessante inicialmente, porém, devemos avaliar o outro lado: se não diagnosticarmos crianças com atrasos do neurodesenvolvimento precocemente, perdemos uma oportunidade de tratar a contento e assim minimizar limitações futuras, que por sua vez poderão levar a situações de sofrimento.
Existe também o que chamamos de “over diagnosis”, ou excesso de diagnósticos, mas são mais relacionados ao “auto-dagnósticos”, ou diagnósticos feitos por profissionais não habilitados para fazê-lo.
Quais são as principais diferenças entre TDAH, TEA e TAG?
O TAG é tem como sintomas centrais o medo ou preocupação excessiva persistente. Comumente ocorre irritabilidade, aumento da tensão muscular, prejuízo da concentração (nesse aspecto pode ser confundido com TDAH), da memória, prejuízo da qualidade do sono, entre outros sintomas. Observamos que os indivíduos sofrem com esses sintomas a maior parte do tempo, não ocorre exclusivamente nem mesmo de modo preferencial em situações específicas.
No TDAH observamos padrão de comportamente constante, regular, caracterizado por hiperatividade relacionada a impulsividade e desantenção. Notamos, numa avaliação cuidadosa, que tais caraterísticas interferem no funcionamento e desenvolvimento daquele indivíduo.
Segundo o manual americano, o autismo pode ser enquadrado em três categorias: deficiência Social, Dificuldades de linguagem e comunicação e Comportamentos repetitivos e/ou restritivos. Portanto, para diagnosticar o TEA, os profissionais devem observar a dificuldade em duas áreas: ‘Comunicação social’ e ‘Comportamentos ou interesses restritos, repetitivos e/ou sensoriais’. Para que a criança seja diagnosticada com autismo, ela deve ter dificuldades nessas duas áreas ou apresentar características do autismo desde cedo, mesmo que os sinais diminuam em fases mais tardias da infância.
O TDAH e TEA, apesar de terem características distintas, são comumente confundidos por apresentarem alguns sintomas semelhantes. Podemos notar em ambos: comprometimento do comportamento, do aprendizado, do desenvolvimento emocional e das habilidades sociais.
Alguns trabalhos que mostram que mais da metade dos indivíduos que foram diagnosticados com TEA apresentam sinais de TDAH. Enquanto transtorno, TDAH é a condição coexistente mais comum em crianças com TEA. Ademais, até um quarto das crianças com TDAH apresentam sinais de TEA.
Quais são os sintomas/aspectos a serem observados que indicam um desses transtornos?
No TAG é tem como sintomas centrais o medo ou preocupação excessiva persistente, conforme falamos acima. Em resumo, crianças que padecem de TDAH podem ficar inquietas o tempo todo, podem impulsivamente de forma contumaz e ter dificuldade intensa de focar a consciência em algo, ou seja tem prejuízo atenção. No entanto, algumas crianças com TDAH têm sinais diferentes, concentrando toda a atenção em um brinquedo, por exemplo, e não querendo brincar com mais nada.
Para algumas crianças com TEA os sinais podem ser perceptíveis antes do inicio da terceira década de vida. Para outras, os sinais de TEA podem não ser claros até a idade escolar e seus comportamentos sociais sejam notoriamente diferentes dos de seus colegas de classe. As crianças com TEA geralmente evitam o contato visual e não parecem interessadas em brincar ou interagir com outras pessoas. Sua capacidade de falar pode se desenvolver lentamente ou não se desenvolver. Eles podem estar preocupados com a mesmice nas texturas dos alimentos ou em fazer movimentos repetitivos, especialmente com as mãos e os dedos.
Estes sintomas devem ser avaliados pormenorizadamente, se serão considerados transtorno, digno de tratamento, se trouxerem contigo sofrimento e prejuízos clinicamente significativos. O diagnóstico nem sempre é simples, podendo demandar algumas avaliações, testes neuropsicológicos (realizados por psicólogos especialistas em neuropsicologia).
Temos acompanhado um aumento de casos dessas doenças, inclusive já na fase madura da vida. O que justifica essa ascensão?
Vamos separar aqui TAG em um grupo e TEA e TDAH em outro. O motivo de adoecimento de famosos com TAG provavelmente tem relação com sobrecarga emocional, privação do sono, excesso de trabalho, muitas responsabilidades. Naturalmente são casos de maior visibilidade, e que via de regra nos causam mais curiosidade.
Devemos avaliar caso a caso. Mas essas situações tornam-se factíveis haja vistas que a maioria dos casos indivíduos adultos podem apresentar quadros leves, sintomas subsindrômicos, associado ao fato da maioria teve sua infância num período que o diagnóstico é raro, o tema não era tão difundido, e não eram tão marcadas as vantagens do diagnóstico e do tratamento precoce.
O que esses transtornos têm em comum? É possível que uma pessoa tenha os três ao mesmo tempo?
O mais comum é que encontremos sintomas associados, mas que os indivíduos preencham critério para apensar um desses transtornos. Mas teoricamente é possível.
Uma situação clínica comum, é que os indivíduos com TDAH, em decorrência do seu prejuízo de desempenho escolar ocasionado pelos sintomas do inerentes a esse transtorno, desenvolvam algum transtorno de ansiedade, inclusive o TGA.
O TAG e o TEA são comumente confundidos por apresentarem alguns sintomas semelhantes, apesar de terem características distintas. Em ambos os casos podemos notar, por exemplo comprometimento do comportamento, do aprendizado, do desenvolvimento emocional e das habilidades sociais.
Vivemos numa sociedade hipocondríaca, as pessoas associam qualquer sintoma a determinada doença. O que atesta, de fato, que alguém pode ter TDAH, por exemplo?
A hipocondria em si pode ser interpretada com um sintoma de ansiedade. O medo desproporcional de portar doença ou adoecer pode trazer prejuízos também.
O diagnóstico do TDAH é feito levando-se em conta as características clínicas dos indivíduos e o sofrimento gerado por elas. Os testes neuropsicológicos ajudam muitos, e em boa parte dos casos são imprescindíveis.
O indivíduo que padece de TDAH apresenta um padrão comportamental descrito há centenas de anos. Hoje, vivemos num momento distinto da história da humanidade, temos acesso ao entendimento desse comportamento, ao padrão de funcionamento cerebral em indivíduos que sofrem com esse transtorno, e tratamentos que podem melhorar a qualidade de vida.